O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma das mais antigas, completas e importantes políticas públicas brasileiras. Considerado um dos maiores programas na área de alimentação escolar no mundo, sua existência é fundamental no combate à fome. Principalmente diante do cenário atual no país, com milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
De forma resumida, o PNAE é responsável pela oferta de alimentação escolar para toda a rede pública de educação do Brasil. Para muitos estudantes, o momento da merenda escolar é a principal (se não a única) refeição feita ao longo do dia. Além disso, segundo um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o PNAE desempenha importante papel na manutenção da frequência escolar entre os alunos.
O PNAE em números
O PNAE é gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que é o órgão responsável por distribuir todos os recursos financeiros destinados ao Programa. Os números e a universalização dessa política por todo o território nacional, evidenciam a complexidade e o desafio dos gestores para manter essa engrenagem funcionando de forma eficiente:
- + de 40 milhões de pessoas atendidas.
- 27 estados e 5.570 municípios participantes.
- Cerca de R$ 4 bilhões de reais em repasses anuais para seu funcionamento.
Apesar dessa grandiosidade, o funcionamento do PNAE (que nunca foi simples, é verdade) está enfrentando desafios extras nos últimos anos. Durante o período mais crítico da pandemia, as escolas ficaram completamente fechadas, deixando milhares de famílias sem acesso ao direito básico à alimentação escolar. Apesar de algumas iniciativas, como distribuição de cestas básicas ou vales de alimentação, muitas crianças ficaram sem alimentação.
Além disso, o valor destinado ao PNAE não é reajustado desde 2017. Os repasses atuais estão entre R$ 0,36 e R$ 0,53 por cada aluno matriculado, o que prejudica a qualidade da alimentação oferecida aos estudantes.
Um caminho de altos e baixos
A saúde nutricional do povo brasileiro começou a virar tema de discussões no governo em 1945, quando Getúlio Vargas ainda era o presidente do país. No entanto, nada de concreto foi feito nesse momento e, somente uma década depois, durante o governo de Café Filho, foi criada a Campanha de Merenda Escolar (CME). Apesar de muito diferente do PNAE atual, esse programa é considerado o marco de origem da alimentação escolar brasileira.
Desde o CME até hoje, muita água rolou debaixo dessa ponte. Foram algumas trocas de nome, mudanças no perfil do programa (que inicialmente era focado na distribuição de industrializados e com o tempo passou a ser baseado em refeições balanceadas e com comida de verdade), dificuldades logísticas para distribuição de alimentos, oscilações na adesão dos estados e municípios e, eventualmente, má utilização dos recursos por alguns gestores mal intencionados.
A transformação do PNAE com a Lei 11.947
Em 2009 uma reviravolta importante mudou os rumos do que hoje conhecemos como PNAE. O principal marco dessa mudança é a Lei 11.947, formulada a partir de um grupo de trabalho formado por integrantes do Consea (Conselho Nacional de Segurança e Nutricional) e do FNDE. Além disso, a Lei contou com a contribuição de organizações diretamente relacionadas ao Programa, como o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), entre outros.
Dentre os pontos mais relevantes dessa reformulação, podemos destacar:
- Ampliação do atendimento do PNAE, incluindo alunos do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA);
- O reajuste do valor médio da refeição (usado para calcular os repasses feitos a cada município).
- A exigência de destinar, no mínimo, 30% dos recursos financeiros repassados pelo FNDE para a aquisição de alimentos da agricultura familiar (meses depois, uma nova resolução foi acrescida à lei, determinando que fornecedores provenientes de assentamentos da reforma agrária, quilombolas e indígenas teriam prioridade no Programa)
Essa mudança na estrutura do PNAE tornou o Programa ainda mais importante para o desenvolvimento social e econômico do país. Apesar da meta de 30% não ser atingida por todos os municípios, o consumo de produtos oriundos da agricultura familiar estimula o fortalecimento do comércio local, gera mais empregos nas cooperativas e associações, além de garantir uma alimentação de qualidade para milhares de estudantes brasileiros.
O futuro do PNAE e os desafios para 2023
Ano passado, o ex-presidente Jair Bolsonaro vetou o reajuste de 34% proposto pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Segundo o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e a Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN-Brasil), isso pode significar uma perda de recursos para a agricultura familiar de cerca de R$ 398 milhões.
A falta de recursos no PNAE significa um retrocesso das mais variadas formas. Além do entrave no desenvolvimento econômico e no prejuízo para milhares de famílias que vivem da agricultura familiar, a qualidade da merenda escolar também acaba prejudicada, com o aumento da oferta de ultraprocessados para os alunos da rede pública.
Para 2023, o novo governo precisa enfrentar o desafio da fome e da insegurança alimentar, tendo o PNAE como seu grande aliado e não inimigo. Por isso, é preciso repensar os repasses, organização e o orçamento destinado ao Programa. Garantindo que ele possa cumprir seu papel de nutrir a população e, ao mesmo tempo, fomentar o desenvolvimento econômico através do estímulo à agricultura familiar.
Fontes:
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA