O PL do Veneno é um projeto de lei que muda as regras do registro de agrotóxicos no país. Antes de mais nada, é muito importante entender do que se trata e como isso nos atinge. Por isso, hoje trouxemos esse tema bem explicado para não deixar mais dúvidas.
O projeto de lei 6299/2002 ficou em tramitação por 20 anos na Câmara dos Deputados. No entanto, foi aprovado em caráter de urgência em 09/02/22. Agora segue para decisão no Senado Federal. Por um lado, o projeto ficou conhecido entre os parlamentares que são favoráveis como “Lei do Alimento mais Seguro”. Para eles, trata-se da modernização da agricultura. Por outro lado, para os parlamentares que são contra, o projeto ganhou o apelido de “PL do Veneno” ou “Pacote do Veneno”.
Em síntese, o PL do Veneno muito nos prejudica. Confira esse texto completo.
As falácias do PL do Veneno
Antes de mais nada, é preciso dizer que chamar este projeto de “Lei do Alimento mais seguro” é uma falácia! Se este Projeto de Lei for aprovado no Senado da República, causará danos irreparáveis para:
- os processos de registro;
- monitoramento;
- controle de riscos e perigos dos agrotóxicos no Brasil.
As consequências à saúde humana e ao meio ambiente serão graves. Por isso, devemos estar muito alertas.
Primeiramente, o PL do Veneno flexibiliza as regras de aprovação de pesticidas, concentrando apenas no Ministério da Agricultura (MAPA) o poder de decisão que trata das liberações desses produtos.
O que temos que saber sobre os agrotóxicos?
- Pesticidas são agrotóxicos;
- Servem para combater as “pragas” que podem comprometer as lavouras;
- É uma prática extremamente tóxica que contamina o solo, as plantações e também a saúde humana.
Vamos ver o que muda efetivamente com o PL do Veneno?
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As 6 principais mudanças causadas pelo Pacote do Veneno
Como principais pontos, destacamos 6:
1) Centralização das liberações, garantindo lucro para as empresas a todo custo.
Até então, para que se aprove um agrotóxico para uso, a decisão precisa passar por outros órgãos além do Ministério da Agricultura, como o Ministério da Saúde (MS), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a Agência Nacional da Vigilância Sanitária (ANVISA). Ou seja, diferentes frentes e competências têm a responsabilidade de julgar o que pode ou não ser prejudicial para o meio ambiente e também para o consumo humano.
Então, tendo apenas o Ministério da Agricultura como órgão que libera o uso dos pesticidas, o processo acaba sendo mais rápido e menos cauteloso. Assim, o projeto abre portas para que mais tipos de pesticidas possam ser usados no Brasil.
No entanto, ao retirar a função histórica dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente sobre a regulação dos agrotóxicos, e conferir o poder de decisão sobre o registro apenas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) automaticamente exclui qualquer preocupação sobre os efeitos destes produtos sobre a saúde da população e sobre o meio ambiente.
2) O Brasil será um mercado aberto para produtos altamente tóxicos, barrados em outros países.
Permite o registro de produtos mais tóxicos, como aqueles que causam câncer, problemas reprodutivos, distúrbios hormonais e para o nascimento, atualmente vetados pela lei de 1989. Por esse motivo, ao contrário do alegado, o PL não permitirá a aprovação de produtos mais modernos e de menor toxicidade. Isto fará com que o Brasil seja muito mais permissivo para o registro de agentes mais tóxicos e ultrapassados.
Sabe o que vai acontecer? Como estes produtos são proibidos em muitos outros países justamente por serem tão tóxicos, eles acabam sendo mais difíceis de vender e se tornam produtos encalhados no mercado mundial. Então, o Brasil torna-se o destino preferencial para esses produtos, enquanto os produtos mais seguros para a saúde humana e para o meio ambiente, serão destinados aos países cujos processos regulatórios são mais exigentes.
3) População intoxicada.
Com a centralização da tomada de decisões relacionadas aos agrotóxicos, o Estado promove uma fragilização de muitas ações desempenhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre as mais atingidas estão aquelas que monitoram e fazem vigilância da água, da qualidade dos alimentos, dos ambientes de trabalho e das populações expostas aos agrotóxicos. Além disso, teremos um potencial aumento dos casos de adoecimento pela exposição a estes agentes, o que gera uma grave sobrecarga das ações assistenciais em todos os níveis de atenção à saúde. Acabamos de passar por uma situação de sobrecarga do sistema de saúde e já sabemos que as consequências não são boas…
4) Estados e municípios perdem poder.
Há uma retirada do poder dos estados e municípios para legislar para proteger melhor sua população. Isso quer dizer que os governos estaduais e municipais não poderão contrariar o que estará determinado pelo PL, ainda que características de cada território, desde clima, relevo, condições ambientais, perfil populacional até a estrutura dos serviços de saúde para atendimento dos casos esperados de doenças não tenham sido contempladas na hora de liberar um determinado agrotóxico.
5) Coloca em risco o processo de Produção Orgânica e Agroecológica
Isso acontece porque há um aumento muito grande da quantidade de produtos altamente tóxicos no ambiente e, com isso, cria-se uma pressão de contaminação que é externa às propriedades orgânicas. Os produtores deixam de ter como controlar com rigor, pois há maior risco de que estes produtos entrem em seus sistemas de produção através do ar, água e chuva. Além disso, elimina-se os mecanismos de proteção que os agricultores orgânicos e agroecológicos têm para se defenderem de forma legal contra essas contaminações.
6) Mudança na nomenclatura que mascara a realidade
O PL do Veneno propõe o uso da palavra “pesticida” no lugar de agrotóxico. Enquanto a palavra “pesticida” fala sobre combater pestes, a palavra “agrotóxico” traz em si um peso do que não faz bem à saúde nem ao meio ambiente. É uma mudança discreta que tem como objetivo afastar a população da informação real.
Para quem o PL do Veneno é interessante e quem sai perdendo?
Mas se essa é uma mudança tão prejudicial, por que ainda é levada adiante? O PL do Veneno muito interessa aos fabricantes dos pesticidas, que também desenvolvem as sementes utilizadas pelo agronegócio brasileiro para produção em larga escala de commodities (mercadorias) e não da comida que chega à sua mesa.
E quem sai perdendo com isso somos nós, a saúde humana e o meio ambiente! Veja de forma um pouco mais específica quem sai perdendo com o uso dos agrotóxicos:
- Agricultura familiar, que planta a comida que chega na sua mesa;
- A agroecologia;
- O alimento orgânico livre de adubo químico e outros venenos;
- O meio ambiente, que receberá mais resíduos químicos;
- Outra forma de pensar a economia, que priorize também a qualidade e bem-estar e não somente a produtividade desenfreada;
- E, finalmente, todos nós, brasileiros, que passaremos a consumir ainda mais agrotóxicos e a ter cada vez menos consciência sobre o que está em nosso próprio prato.
As populações mais vulneráveis, que têm menos acesso à informação e a um alimento livre de veneno certamente serão as mais afetadas. No entanto, todo o país terá sua alimentação atingida, já que a contaminação gerada pelo uso extensivo de agrotóxicos é profunda. Essa contaminação chega aos lençóis freáticos, de forma que a água e o solo se contaminam e mesmo quem tem possibilidade de escolher orgânicos, chegará um momento em que será também afetado.
Os favoráveis ao projeto defendem que não liberarão os pesticidas mais tóxicos e que, se usados de maneira correta, os mesmos não são prejudiciais à saúde. Isto é mais uma falácia, pois sabemos que a fiscalização e a educação no campo não conseguem ser efetivas para que consigamos um uso “correto” desses produtos. Uma prova disso são os resíduos deixados pelos agrotóxicos nos alimentos e a contaminação das águas.
Agrotóxicos foram detectados na água que abastece mais de 2.300 cidades de 2014 a 2017! Clique no mapa ou digite sua cidade para descobrir quais produtos químicos saíram da sua torneira em concentração acima do limite considerado seguro. Os dados que você vai ver neste mapa são do Controle do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA), do Ministério da Saúde.
Quem acha que o Pacote do Veneno é perigoso?
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o projeto permite a entrada de agrotóxicos com características teratogênicas, mutagênicas e carcinogênicas, colocando em risco a saúde da população e do meio ambiente.
Outras duas instituições de peso têm se mostrado contrárias ao PL do Veneno: a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Sistema Único de Saúde (SUS).
Primeiramente, a Fiocruz afirma que o país se transformará numa referência mundial de venenos mais tóxicos. Nosso governo permitirá substâncias que os governos de outros países já proibiram por conta dos riscos comprovados.
Depois, o SUS alerta que o PL do Veneno enfraquece suas ações, sobretudo as que tratam de monitoramento e vigilância da água, da qualidade dos alimentos, dos ambientes de trabalho e das populações expostas a agrotóxicos.
A argumentação de que o PL do Veneno moderniza e acessibiliza a alimentação saudável a preço justo para todos é completamente incoerente. Então, fica o questionamento: haverá modernização da agricultura ou retrocesso?
O que podemos fazer?
O PL do Veneno ainda precisa passar pela aprovação no Senado e sancionado pelo presidente. Para que isso não aconteça, é preciso uma mobilização e pressão ainda maiores por parte da sociedade, das entidades, órgãos opositores, e senadores do seu estado.
Então, de forma prática, o que podemos fazer?
- Buscar informações em fontes seguras e não tendenciosas;
- Ajudar a divulgar informações importantes sobre o assunto;
- Assinar petições importantes como a da CPORG, do Greenpeace e do movimento Chega de Agrotóxicos, que levem ao Senado uma lista de pessoas que estão contra esta aprovação;
- Valorizar iniciativas que apoiam a produção de alimentos por agricultores familiares, agroecológicos e orgânicos;
- Apoiar projetos, como o EsCoA, que une pequenos agricultores à comunidades escolares.
Por último, precisamos entender que a luta por uma alimentação acessível, saudável e consciente com as pessoas e com o planeta precisa ser de todos!